Prezado leitor do blog,
Tivemos o prazer de conhecer inicialmente nossa próxima colaboradora quando ela veio à Bélgica para compartilhar parte de nossa jornada durante o programa de pesquisa Odysseus (2015-2020) na Universidade de Ghent (Bélgica). Posteriormente, ela utilizou e desenvolveu em sua prática alguns dos conceitos emergentes desse programa em um outro continente (a América do Sul) em uma escala diferente. Sua habilidade notável e disposição para se envolver com os desenvolvimentos recentes no campo em geral, e depois incorporá-los ao campo aplicado, alinham-se perfeitamente ao tema de cooperação e colaboração dentro da análise do comportamento que esperamos refletir nesta série de blogs. Avançar juntos e aproveitar as forças encontradas em várias áreas da disciplina parece ser uma estratégia muito melhor do que ignorar o trabalho dos outros fora de sua área específica. Adotar tal estratégia só pode beneficiar a análise do comportamento como ciência e tecnologia. Portanto, junte-se a nós para dar as boas-vindas à Dra. Carolina Silveira de Almeida enquanto ela reflete sobre sua própria história de pesquisa e jornada até este ponto.
Colin e Dermot
Sobre a autora:
A Dra. Carolina Silveira de Almeida obteve seu doutorado e mestrado em Psicologia (Comportamento e Cognição) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), durante o qual também realizou uma visita de pesquisa à Universidade de Ghent, na Bélgica (UGent, Bélgica). Os interesses principais de Carol estão na aplicação da Análise do Comportamento (especificamente na Teoria das Molduras Relacionais) no tratamento de crianças com atrasos no desenvolvimento. Atualmente, ela trabalha como diretora clínica e supervisora de casos envolvendo crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em Bauru (no estado de São Paulo, Brasil), e com profissionais em busca de certificação em Análise do Comportamento.
Expandindo Horizontes: Como Manter-se Conectada com os Desenvolvimentos na Análise do Comportamento Transformou Minha Abordagem Terapêutica para Crianças Autistas (click here to view this post in English)
Sempre fui cativada pela interseção entre a Análise do Comportamento Aplicada e o Autismo. Após um ano trabalhando como terapeuta pós-graduação, acreditava ter um entendimento sólido da análise do comportamento (AC). No entanto, essa experiência alimentou meu desejo de aprofundar meu conhecimento. Ao realizar meu mestrado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 2013, embarquei em uma jornada transformadora. Durante esse tempo, conheci meu futuro marido, Dr. João Henrique de Almeida (clique aqui para um post recente da série escrito pelo Dr. de Almeida), e descobri a Teoria das Molduras Relacionais (RFT). Surpreendentemente para mim na época, os analistas do comportamento não discutiam amplamente essa teoria no Brasil pouco mais de uma década atrás. Minha introdução à RFT ocorreu durante uma conferência de AC da qual eu fazia parte do comitê organizador na UFSCar, onde o Dr. de Almeida fez uma palestra interessante sobre o assunto. A teoria e sua apresentação articulada imediatamente despertaram minha curiosidade.
Após a palestra, agendamos reuniões semanais para explorar com profundidade o livro de 2001 sobre RFT (Hayes et al., 2001). A cada encontro, mergulhei mais fundo em um território que mais tarde remodelaria completamente minha visão de mundo. Pode parecer um exagero, mas as transformações que senti que a RFT trouxe para minha carreira profissional foram imensas. Assim como a perspectiva única da ciência e filosofia analítico-comportamental (que já havia sido uma descoberta significativa em minha vida profissional), senti que a perspectiva sobre o comportamento verbal apresentada pela RFT clareava as complexidades do comportamento humano e ampliava significativamente minha visão de mundo.
Minha paixão por trabalhar com crianças autistas me impulsionou a uma carreira como aplicadora aba e, posteriormente, como supervisora clínica. Também alimentou minha ambição de buscar um doutorado, focando na tomada de perspectiva sob a perspectiva da RFT para essa população. Durante meu doutorado, surgiu uma encruzilhada inesperada: uma oportunidade de bolsa para estudar no exterior nos Estados Unidos coincidiu com a oportunidade de meu marido se tornar professor visitante sob a orientação de Dermot Barnes-Holmes na Bélgica. Enfrentamos um dilema – eu ansiava por ganhar experiência em uma renomada clínica de Análise do Comportamento Aplicada (ABA) nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que João defendia as perspectivas da RFT que estariam disponíveis para nós na Bélgica. Após muita deliberação, decidimos ir trabalhar com o Dermot, adiando temporariamente meu sonho de visitar uma clínica de ABA para outro momento.
Durante o tempo que passei na Universidade de Ghent, um período que considero um dos mais marcantes da minha vida, eu agradecia o João todos os dias por me convence. Conversas semanais com o grupo de pesquisa de RFT em Ghent, liderado por Dermot e Yvonne, foram cruciais para desenvolver o que é agora minha perspectiva sobre a abordagem analítico-comportamental da linguagem e cognição. A essência dessa nova perspectiva estava no trabalho realizado pelo grupo sobre o que agora é chamado de “RFT atualizada” (clique aqui, aqui e aqui para posts anteriores no blog de Dermot, Maithri Sivaraman e Colin que descrevem e exploram algumas dessas atualizações). Finalmente compreendendo o que João tentara transmitir muito antes, a RFT surgiu como um divisor de águas para mim e para o meu pensamento. Seu impacto em minha prática clínica com crianças autistas logo se tornou evidente. Os benefícios de visualizar as dinâmicas sutis e complexas de respostas relacionais arbitrariamente aplicáveis nas crianças com as quais estávamos trabalhando através da lente dessas atualizações tornaram-se impossíveis de ignorar. Incorporar o que aprendemos em nossos programas para déficits de linguagem parecia oferecer uma precisão que eu não via antes. Além disso, observar resultados palpáveis que beneficiaram não apenas as crianças, mas que também transformaram as experiências dos clínicos que supervisionei e das famílias com as quais trabalhamos, foi algo realmente emocionante.
Em segundo lugar, descobri um tesouro igualmente valioso – a generosidade de Dermot e Yvonne. Além de sua experiência acadêmica, seus atos de altruísmo deixaram uma marca permanente. Desde abrir a porta de sua casa até orientar pacientemente nosso pensamento teórico e clínico, a generosidade deles foi impressionante. Costuma-se dizer que as pessoas podem não lembrar os detalhes do que você fez ou disse, mas nunca esquecerão como você as fez sentir. Na formalidade britânica de Dermot e na maneira descontraída irlandesa de Yvonne, descobri como as atualizações na RFT poderiam elevar o mundo das crianças com as quais eu estava trabalhando.
Após minha experiência na Bélgica, retornei ao Brasil com novas amizades e uma paixão renovada e determinação para o trabalho. Levei o que aprendi lá e, com a ajuda de meus novos amigos e colaboradores, busquei aplicá-lo ao trabalho que estava desenvolvendo para meu doutorado. Quando iniciei minha jornada de doutorado em 2015, como a maioria dos praticantes de ABA, eu estava muito interessada em descobrir o que poderíamos fazer para ensinar de maneira mais eficaz às nossas crianças a se envolverem em interações sociais significativas, desde as básicas (por exemplo, a capacidade de seguir o olhar da pessoa com quem estão interagindo) até as complexas (por exemplo, a capacidade de tomar a perspectiva). Quais repertórios comportamentais críticos estavam ausentes (tanto básicos quanto complexos)? E o que poderíamos fazer em nossas intervenções para ajudar mais eficazmente essas crianças a superar barreiras sociais significativas? Após a estadia na Bélgica, as atualizações na RFT que estavam surgindo do grupo na época nos ajudaram a ter uma boa compreensão das perguntas que poderíamos estar fazendo. Uma nova organização conceitual havia sido oferecida na tentativa de ajudar pesquisadores e praticantes a pensar em variáveis importantes para respostas relacionais derivadas, chamado de organização multidimensional e multilevel (MDML) (Barnes-Holmes et al., 2017). Com essa proposta em mãos, decidimos ver quão útil (ou não) ele poderia ser para orientar nossas análises conceituais e empíricas. Não vou entrar em todos os detalhes aqui, mas pode ser útil dar um exemplo em que decidimos usar o MDML para avaliar, em seguida ensinar e desenvolver repertórios relacionais que imaginamos serem importantes para completar uma tarefa simples de tomada de perspectiva.
Escolhemos duas crianças com perfis de desenvolvimento semelhantes, uma com diagnóstico de autismo (vamos chamá-lo de Frank) e outra sem (vamos chamá-la de Claire) e usamos o MDML para perguntar quais unidades comportamentais poderiam ser necessárias para um repertório básico de tomada de perspectiva. Desenvolvemos então um conjunto de tarefas para avaliar isso nas duas crianças. Conceitualmente, o trabalho do grupo de Ghent sugeriu (através da lente do MDML) que um repertório comportamental específico era provavelmente crucial para demonstrar níveis básicos de tomada de perspectiva (Kavanagh et al., 2020). Então começamos por aí e perguntamos se esse repertório não estivesse evidente, a criança poderia demonstrar habilidades básicas de tomada de perspectiva? E se não, estabelecer tal repertório facilitaria esse desempenho?
Claire demonstrou imediatamente níveis básicos do repertório relevante e se saiu bem no teste de tomada de perspectiva. Frank, por outro lado, apenas demonstrou padrões muito básicos de relações arbitrariamente aplicáveis (longe do nível de Claire) e, como era de se esperar, falhou no teste de tomada de perspectiva. Então implementamos um procedimento de treinamento com Frank, projetado para treinar e testar relações derivadas de complexidade crescente, orientado pelo MDML, até o nível que tínhamos destacado em nossa análise conceitual inicial (e que foi demonstrado por Claire). Isso inicialmente levou bastante tempo (quase todos os dias por cerca de 3 meses) e muitos exemplares novos. Mas uma vez estabelecido, e quando expusemos Frank novamente ao nosso teste simples de tomada de perspectiva, ele passou com o pé nas costas! Embora esses dados sejam preliminares e certamente precisem ser replicados, os resultados pareciam fornecer algum suporte para nossa ideia inicial (ou seja, o papel de um repertório relacional específico nas habilidades de tomada de perspectiva) e também enfatizaram para mim as possibilidades de utilizar atualizações e desenvolvimentos no campo para orientar as perguntas que estávamos fazendo (neste caso, o MDML). Atualmente, estamos escrevendo este estudo para sumeter a um periódico e explorando outras maneiras de como o MDML pode ser empregado como uma ferramenta de avaliação e intervenção de forma mais ampla (clique aqui para uma apresentação em pdf de uma oficina que ministramos na ABAI há alguns anos apresentando alguns de nossos esforços, e aqui para uma breve apresentação na mesma conferência apresentando o experimento sobre o qual acabei de falar).
Ao mesmo tempo, a jornada para concluir minha certificação BCBA-D tornou-se um trabalho desafiador, porém gratificante, e sob a orientação da Dra. Siri Ming, aprofundei-me em aplicações avançadas. Através da gentileza e orientação inestimável da Dra. Ming, solidifiquei minha experiência e paixão pela ABA. A aplicação prática do meu conhecimento tomou forma à medida que tive o privilégio de fornecer serviços em várias clínicas privadas, bem como oportunidades de trabalhar diretamente com famílias. A natureza colaborativa de trabalhar com famílias e o ambiente dinâmico de clínicas privadas adicionaram uma certa profundidade à minha compreensão das diversas necessidades dentro da comunidade autista. Ao longo desta fase, o que aprendi durante meu tempo em Ghent manteve-se fundamental para a minha prática. A precisão na programação de linguagem e a compreensão sutil da resposta relacional derivada, inspirada pela minha exposição à RFT atualizada, continuaram a moldar minha abordagem a cada caso. E concluir minha certificação BCBA-D marcou um marco pessoal – solidificou meu compromisso e paixão por fornecer cuidados eficazes e compassivos a indivíduos autistas e suas famílias.
Hoje, aspiro a continuar a divulgar ativamente os recentes desenvolvimentos na análise do comportamento para os prestadores de serviços de ABA em todo o Brasil e desenvolver ferramentas práticas que facilitem a implementação adequada desses avanços, garantindo que os profissionais de ABA possam oferecer nada menos do que as melhores intervenções prometidas às nossas crianças e suas famílias. No cenário da prática baseada em evidências, manter contato com os desenvolvimentos de pesquisa emergentes na análise do comportamento parece ser tão importante para oferecer a mais alta qualidade de cuidado para apoiar indivíduos autistas. Espero que minha história possa inspirar outros a nunca parar de explorar os avanços mais recentes surgindo no campo e eventualmente contribuir para esses avanços também de alguma forma.
Referências
Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., Luciano, C., & McEnteggart, C. (2017). From the IRAP and REC model to a multi-dimensional multi-level framework for analysing the dynamics of arbitrarily applicable relational responding. Journal of Contextual Behavioral Science, 6, 434-445. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2017.08.001
Hayes, S.C., Barnes-Holmes, D., & Roche, B. (2001). Relational Frame Theory: A post-Skinnerian account of human language and cognition. Plenum.
Kavanagh, D., Barnes-Holmes, Y., & Barnes-Holmes, D. (2020). The study of perspective-taking: Contributions from mainstream psychology and behavior analysis. The Psychological Record, 70, 581-604. https://doi.org/10.1007/s40732-019-00356-3