Colaboração Interdisciplinar para Compreensão da Aquisição da Linguagem em Crianças com Deficiência Auditiva

Caro leitor do blog,

Nossa próxima convidada é uma das várias pesquisadoras brasileiras fantásticas, que estão fazendo um trabalho fascinante e inovador em linguagem e comportamento simbólico. Especificamente, a Professora Ana Claudia Verdu construiu sua impressionante carreira principalmente utilizando análise do comportamento e, mais especificamente, equivalência, para ensinar populações com deficiência auditiva e implantes cocleares a ler e escrever. Fiquei bastante impressionado quando comecei a ler sobre o trabalho da Ana. Não apenas é extremamente inovador e empolgante cientificamente, como tem um impacto direto na vida das pessoas e nos padrões de vida, fornecendo, de maneira geral, uma grande demonstração do poder da nossa ciência no mundo real. Além disso, a história da Ana realmente incorpora a colaboração e cooperação dentro e entre diferentes disciplinas, o que estamos tentando destacar nesta série, à medida que ela relata a construção de vínculos com terapeutas de fala e linguagem, clínicas hospitalares, bem como o trabalho dentro da teoria da nomeação. Enfim, como de costume, eu poderia continuar falando, mas acho que o melhor para você, leitor, seria encerrar esta introdução e deixá-lo livre para ler a história da Ana. Aproveite!

Colin

Sobre o autor:

Ana Claudia mestrado e doutorado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ela é uma Professora Associada do Departamento de Psicologia e da Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (do qual fui coordenadora de 2017 a 2021) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Professora Verdu também é uma bolsista pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma editora associada dos periódicos Acta Comportamentalia (da qual fui editora para Língua Portuguesa de 2009 a 2011) e Revista Brasileira de Análise do Comportamento. Os principais temas de interesse dela são a análise do comportamento verbal e simbólico.

Colaboração Interdisciplinar para Compreensão da Aquisição da Linguagem em Crianças com Deficiência Auditiva (click here to view this post in English)

Assim como muitos pesquisadores que conheço, eu sempre fui muito interessada sobre compreender o por que as coisas são como são, como processo ativo, mesmo, de experimentação. Cursei Psicologia e já no primeiro ano a área que me despertava maior interesse era a pesquisa. Na graduação eu tive experiências em monitoria de laboratório de Análise Experimental do Comportamento e de iniciação científica em controle de estímulos e paradigma de equivalência. Como parte de minhas atividades eu ajudei o meu primeiro orientador em suas pesquisas sobre controle contextual sobre classes de equivalência em pessoas com deficiência intelectual. Foi somente no mestrado que eu tive contato com a população com deficiência auditiva.

Ana Claudia com Deisy de Souza (esquerda) e Julio de Rose (direita) na ABAI ’24.

O estudo do comportamento simbólico em crianças com deficiência auditiva e implante coclear pela Análise do Comportamento é um tema relativamente recente na literatura e é realizado sob uma interface produtiva com a Fonoaudiologia enquanto uma responsabilidade interdisciplinar (Association for Behavior Analysis Internacional, 2020). Os trabalhos sob essa perspectiva no Brasil iniciaram sob o escopo do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência – PRONEX/MCT (1997-2004; 2004-2007). Naquele contexto, ainda no primeiro período (1997-2004), eu participei como aluna e obtive a titulação de mestrado (2000) e de doutorado (2004) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) sob a orientação da professora Deisy das Graças de Souza. O cenário instigante da UFSCar, a interação com colegas da pós-graduação, a coorientação do prof. Jair Lopes Junior (UNESP) e o contexto do PRONEX que, dentre outros pesquisadores, tinha Júlio de Rose no Brasil e William McIlvane nos Estados Unidos, que dispensam apresentações, foram pilares para o desenvolvimento desta trajetória de pesquisa. Embora o tema que norteou as pesquisas que conduzi sempre tenha sido controle de estímulos, no meu mestrado (1998-2000) o interesse foi sobre treino sequencial, classes ordinais e controle contextual em crianças não alfabetizadas, da antiga classe especial, antes do movimento de inclusão educacional. No entanto, durante o mestrado, eu pude acompanhar bem de perto a pesquisa desenvolvida pelo colega Wagner Rogério da Silva, cujo mestrado (1998-2000) era com crianças com deficiência auditiva e implante coclear. O mestrado do Wagner se constituiria na primeira aproximação da análise do comportamento e da fonoaudiologia no estudo das funções simbólicas assumidas por estímulos auditivos em crianças com audição recente, restabelecida pelo dispositivo do implante coclear. Neste contexto, além dos pesquisadores do PRONEX, da UFSCar e da coorientação na UNESP, somou-se a professora Maria Cecília Bevilacqua (in memoriam – HRAC/USP), da Seção de Implante Coclear, que permitiu que os pacientes fossem objeto de pesquisa no espaço do hospital e durante o processo de reabilitação. No conjunto essa equipe construiu uma relação entre a fonoaudiologia e a análise do comportamento e criou as condições necessárias para que as pesquisas fossem realizadas.

BruceBlaus, CC BY 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/3.0>, via Wikimedia Commons

O implante coclear consiste em uma tecnologia biomédica que insere um filamento de eletrodos de forma cirúrgica na parte interna do ouvido, a cóclea e o conjunto de componentes externos e internos captam sons do ambiente, convertem em estímulos elétricos e estimulam o nervo auditivo promovendo uma sensação auditiva. No entanto, habilidades como discriminação, reconhecimento e compreensão auditiva requerem aprendizagem (McIlvane, 2014) e as condições sob as quais ocorrem precisariam ser elucidadas.

Somente no doutorado (2001-2004) que eu conduzi a minha primeira pesquisa com essa população e, na sequência, o colega Edson Huziwara fez em seu mestrado (2004-2006), também na UFSCar. As investigações tinham como tema central verificar se a metodologia do paradigma das relações de equivalência poderia ser estendida para a investigação da aquisição da função simbólica por estímulos recebidos pelo implante coclear e o resultado das três pesquisas citadas culminaram nas duas primeiras publicações sobre o tema (Almeida-Verdu, Huziwara, de Souza, de Rose, Bevilacqua, & Lopes Júnior, 2008; da Silva, de Souza, Lopes, Bevilaqua, & MacIlvane, 2006).

O paradigma das relações de equivalência sempre me fascinou pelo fato de ser como a metáfora da estátua de mármore (Condillac, 1754): comportamentos complexos poderiam emergir de aprendizagens mais simples, desde que as condições relevantes para essa aprendizagem fossem programadas. O paradigma das relações de equivalência é cheio de detalhes técnicos, mas para relatar essa história eu concordo com Critchfield et al. (2018) que é suficiente conhecer que a partir do ensino de pelo menos duas discriminações condicionais com um estímulo em comum podem emergir ou derivar relações que não foram anteriormente ensinadas entre estímulos que participaram das contingências de ensino. Pesquisas anteriores já haviam estendido o paradigma das relações de equivalência a pessoas com deficiência auditiva, mas apenas com estímulos visuais (Barnes, McCullagh, & Keenan, 1990), não com estímulos auditivos produzidos pelo implante coclear, uma tecnologia mais recente. Foi Silva et al. (2006) que estenderam a metodologia das relações de equivalência para o estudo da estimulação elétrica recebida pelo implante coclear em crianças pós-linguais (que perderam a audição depois que aprenderam a falar). Entretanto, os resultados não foram positivos com as crianças pré-linguais (que perderam a audição antes de aprenderem a falar), uma das crianças sequer aprendeu as discriminações condicionais entre estímulos elétricos e estímulos visuais. Diante desses resultados, e na iminência de submeter meu projeto de doutorado, a professora Deisy de Souza, com a sabedoria que lhe é peculiar, fez um convite para que eu submetesse o projeto investigando as questões deixadas pela primeira pesquisa, chamando a atenção para o fato de que seria possível construir uma linha de pesquisa. Nessa época, eu mal sabia o que o destino me reservava.

Assim, eu e o Edson conduzimos uma sequência de quatro estudos (Almeida-Verdu, Huziwara et al., 2008); nos três primeiros verificamos, em  crianças pós-linguais, a formação de classes de equivalência, porém com estímulos linguísticos como palavras com e sem sentido (estudo 1); reproduzimos os resultados do estudo 1 em crianças pré-linguais (estudo 2); introduzimos procedimentos de ensino que minimizam erros como fading (estudos 1 e 2) e ensino por exclusão (estudo 3); para então retomar as condições adotadas por da Silva et al. (2006) com crianças pré-linguais, estímulos elétricos e adicionando o ensino de discriminações condicionais por fading que foi demonstrado o potencial do modelo em participantes pré-linguais (estudo 4).

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Os participantes demonstraram relações simbólicas entre estímulos visuais e auditivo-visuais; no total foram 14 crianças, 10 eram pré-linguais. Demonstramos a formação de classes de equivalência entre palavras e figuras abstratas, e entre estímulos elétricos e figuras abstratas. Neste contexto que os indícios de uma questão que tornou o centro desta linha de pesquisa apareceram pela primeira vez. Quando a nomeação oral era testada, muitos participantes não demonstraram vocalizações consistentes com os resultados dos testes de equivalência; ainda que demonstrassem que estímulos dissimilares quando emparelhados a um mesmo estímulo auditivo (i.e, AB e AC), seriam relacionados entre si (i.e., BC e CB como nos testes de transitividade/equivalência), as vocalizações emitidas para os estímulos visuais equivalentes (i.e., BD e CD) não eram consistentes com os estímulos auditivos da classe. E, ainda que a topografia vocal fosse a mesma para todos os estímulos visuais da classe (e.g., vocalizar “gaura” para os estímulos B1 e C1, ambos emparelhados ao estímulo auditivo A1), a acurácia não era demonstrada (i.e., a correspondência com o estímulo auditivo A1 não era verificada, pois, no caso, A1 era “xede” e não “gaura”). Os resultados relatados aqui são importantes para entender a direção desta linha de pesquisa.

Ana Claudia com Deisy de Souza (centro) e Elenice Hanna (direita), no Teatro Municipal de São Paulo, após um dia de trabalho pelo INCT.

Já docente da Unesp (desde 2001) e credenciada no programa de pós-graduação eu avancei nessa linha de investigação e participei como pesquisadora do que hoje é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino – INCT-ECCE (2009-2015; 2017- atual). Essa rede de pesquisa, além de ter um tópico de pesquisa denominado “Comportamento Simbólico em Crianças com Audição Recente”, tem como compromisso avançar na produção de conhecimento no continuum básico, translacional, aplicado e tecnológico e formar pesquisadores. No contexto do INCT-ECCE avancei nas pesquisas com o aporte de agências de fomento do Brasil (CAPES, CNPq, Fapesp) e acompanhada de alunos incríveis (iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado).

Os estudos compreendem o ouvir como um comportamento controlado por estímulos auditivos e por relações entre estímulos auditivos e visuais. Após o diagnóstico da deficiência auditiva, da escolha pelo dispositivo de reabilitação e seu ajuste, é necessário aprender a ouvir com compreensão, estabelecer relações entre ouvir falar e que a fala tenha o maior grau de precisão, considerando as convenções da comunidade verbal que o participante está inserido.

Na minha trajetória eu aprendi a fazer duas grande ressalvas no contato com os participantes por um lado e com pesquisadores da área por outro: a primeira é que surdez e deficiência auditiva são faces de um espectro, ou seja, tem variados graus decibéis de perda auditiva e muitas possibilidades de abordagem (terapêuticas e educacionais) e, na maioria das investigações que conduzi, mas não todas, o alvo foi com pessoas que optaram pelo implante coclear; a segunda ressalva é que embora a topografia da fala não seja a propriedade essencial para a definição de comportamento verbal, as vocalizações emitidas por alguém, em certa topografia convencionada por uma comunidade verbal, resulta em uma função verbal (Skinner, 1957; Greer, & Ross, 2008) e, quanto mais precisa for a fala de alguém, maior a compreensão do comportamento verbal dessa pessoa e a maneira pela qual pode afetar o comportamento de outros ouvintes (Ertmer, 2010; Yoder, Camarata, & Gardner, 2005). E esse esclarecimento e ressalvas ajudaram a compreender a demanda da Seção de Implante Coclear nos anos que seguiram o doutorado e anos iniciais do INCT-ECCE (em torno de 2009-2010): era fato que após a ativação do implante coclear, as crianças aprendiam a ouvir incidentalmente e, ao final de um ano, as habilidades e funções auditivas estavam estabelecidas, mas o desafio se circunscrevia sobre o falar com precisão.

Mesmo com o uso do implante coclear, a literatura científica relata um desempenho abaixo do esperado em leitura e escrita nessa população quando comparadas com ouvintes (Oliveira et al., 2020). Pelo fato de ler e escrever serem interligados com os repertórios de ouvir e de falar (Lee, & Sanderson, 1987), estudos recentes têm demonstrado que a aprendizagem de leitura e escrita tem se constituído em uma rota de ensino que afeta essa relação de maneira positiva melhorando a compreensão auditiva (Neves et al., 2019) e a precisão da fala (Almeida-Verdu, 2021). Desse modo, o paradigma das relações de equivalência pareceu ser uma excelente metodologia para essa investigação quando se monitora sistematicamente as respostas vocais. E foi o que passamos sistematicamente a fazer!

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As pesquisas foram propostas no contexto do processo de follow-up e reabilitação após a cirurgia de implante coclear. De maneira geral, tinham como alvo os comportamentos de ler e escrever; uma vez que a emergência da escrita era avaliada em tarefas de ditado, e que emergência da leitura oral era avaliada após o ensino de discriminações condicionais entre palavras ditadas e figuras e entre as mesmas palavras ditadas e palavras escritas, o comportamento de ouvinte era essencial, pois era necessário que o controle pelo estímulo auditivo fosse estabelecido. Os testes após o ensino das discriminações condicionais também incluíam a nomeação oral das figuras adotadas no ensino. O resultado dos primeiros estudos com essas características foi muito interessante (Golfeto, 2010, relatado em de Souza et al., 2020; Anastácio-Pessan et al., 2015). As crianças mais velhas e que já eram leitoras (em torno de 12 a 15 anos de idade) apresentavam topografias distintas na fala em leitura de palavras e em nomeação de figuras representativas dessas palavras. Ora, era de se esperar a mesma topografia vocal, porém sob controle de estímulos diferentes; em tarefas de leitura o estímulo discriminativo era a palavra escrita e em tarefas de nomeação o estímulo discriminativo era a figura. As crianças dos primeiros estudos demonstravam a fala muito mais acurada em tarefas de leitura e a fala marcada por erros em tarefas de nomeação. Em termos de controle de estímulos, deveria haver uma equivalência entre figura e palavra escrita, controlando a mesma topografia vocal, por transferência do controle exercido pela palavra escrita para a figura. Oprimeiro estudo a demonstrar essa transferência de após formação de classes de equivalência entre palavras ditadas, figuras e palavras escritas foi o de Anastácio-Pessan et al. (2015), o primeiro estudo conduzido no escopo do INCT-ECCE.

Com o auxílio dos novos interlocutores na Seção de Implante Coclear, as fonoaudiólogas Adriane de Lima Mortari Moret (desde 2015) e Leandra Nascimento Tabanez Silva e o otorrinolaringologista Luiz Fernando Lourençone (desde 2017-2018) na chefia da seção, mantivemos o apoio a essa linha de investigação. Replicamos essa estrutura de ensino em muitos outros estudos, manipulamos diferentes parâmetros envolvendo palavras e expandimos a unidade de análise para sentenças.

Nesta época, eu havia acabado de entrar em contato com o artigo de Munafò et al. (2018) publicado na Nature Human Behavior, um manifesto para que as ciências do comportamento detalhassem procedimentos a fim de oferecercondições para que os resultados fossem reprodutíveis. Então, entre outros objetivos de pesquisa, reproduzir resultados era uma meta! E os resultados foram replicados. Antes do ensino, os participantes apresentavam muita diferença na topografia vocal emitida nas tarefas de leitura e de nomeação e, após o ensino, obtinham mais que as equivalências entre estímulos, mas a equivalência entre estímulos e respostas (Sidman, 2000). Eram demonstrações muito evidentes de que, uma vez que uma classe de relações entre estímulos se forma (i.e., palavras ditadas, figuras, palavras escritas), as funções comportamentais atendidas por qualquer estímulo da classe influenciam as funções assumidas por outros (Critchfield, Barnes-Holmes, & Dougher, 2018).

Mais uma ressalva deve ser feita, agora, sobre o uso dos termos nomeação e leitura para referir-se a topografia vocal emitida sob controle de estímulos pictóricos ou textuais que, inicialmente, podem ser denominados como tato e textual, respectivamente (cf. Skinner, 1957). No caso do conjunto de pesquisas em foco, as vocalizações são emitidas sob controle de estímulos, textuais ou pictóricos, como membros de uma classe de equivalência. Neste caso, as vocalizações são mais que comportamento textual e envolvem compreensão leitora. Da mesma maneira, as vocalizações sob controle de figuras membros de uma classe de estímulos equivalentes são mais que tatos (cf., Husseim et al., 2023). De acordo com Miguel (2016), se os membros de uma classe tiverem o mesmo nome, então denomina-se nomeação comum. Por não ferir essa premissa e pelo conjunto de dados dessa linha de pesquisa estar de acordo com o paradigma de equivalência, será mantida a nomenclatura adotada por Sidman (1994) referindo o termo nomeação para vocalizações controladas por figuras e leitura para vocalizações controladas por estímulos textuais.

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No Brasil, o ALEPP® (Aprendendo a Ler e Escrever em Pequenos Passos, Capobianco et al. 2009), um programa de ensino de leitura e escrita informatizado e baseado em equivalência (EBI – Fienup, Covey, & Critchfield, 2010) tem uma história muito sólida no ensino de leitura e escrita com diferentes populações e os resultados de Anastácio-Pessan et al (2015) nos encorajaram a expor crianças com deficiência auditiva e implante coclear ao mesmo. As replicações adotando o ALEPP, em diferentes centros de pesquisa no Brasil e envolvendo prioritariamente palavras como estímulos estão sistematizadas em Almeida Verdu e Golfeto (2016), em de Souza et al. (2020) e em Almeida-Verdu, Silva e Lucchesi (2021). As orientações de pesquisa que eu pude fazer em diferentes níveis foram, sem dúvida, muito importantes para o desenvolvimento da linha de pesquisa e seria injusto deixar de lembrar de alguém, no entanto, contribuições muito importantes foram dadas pelas pesquisas conduzidas no processo de titulação de Luchesi (2015; 2018; 2022) com leitura e nomeação de palavras.

Os principais resultados obtidos na precisão em tarefas de nomeação com palavras após a exposição a EBI´s em crianças com deficiência auditiva e implante coclear, foram estendidos para sentenças de diferentes extensões. E, nesta expansão dos estudos sobre EBI com palavras para sentenças, eu pude retomar o tema do meu mestrado envolvendo relações ordinais e classes gramaticais, agora, com participantes com deficiência auditiva e implante coclear. Após o ensino de duas discriminações condicionais, no caso entre a sentença ditada e figura de cenas, e entre a mesma sentença ditada e a construção da sentença impressa, o controle entre os estímulos que participaram do treino passa a ser compartilhado. Antes do ensino, a nomeação de figuras de cenas era marcada por distorções e, após o ensino, passava a ser emitida com mais precisão. Nos estudos envolvendo sentenças nós adicionamos, além do EBI, a organização das unidades menores que compõem as sentenças em matrizes, de acordo com as propostas de Goldstein (1983) demonstrando a precisão da fala para novas sentenças derivadas da recombinação de unidades menores das sentenças treinadas. No caso dos estudos com sentenças, produzimos um mini currículo de ensino com características muito semelhantes às do ALEPP, e que está em fase de teste atualmente. Nos estudos envolvendo sentenças, contribuições muito importantes foram dadas pelas pesquisas conduzidas no processo de formação de Neves (2018; 2019; 2021; 2022; 2023).

Os nossos programas EBI de leitura e escrita conduzidos com crianças com deficiência auditiva e implante coclear têm promovido a integração entre repertórios de ouvinte e de falante como demonstrado em sínteses de resultados recentes (de Souza et al., 2020; Almeida-Verdu, Lucchesi, & Silva, 2021; Almeida-Verdu, 2021). A demanda social caracterizada pela diversidade humana é extraordinária e, mais recentemente (2020-2021) eu entrei em contato direto com duas associações de surdos que oralizam (assim por eles denominados) no contexto do debate de políticas educacionais para a Educação Especial e Inclusiva no Brasil. Conheci a Keilah Ayres (da associação nacional dos surdos oralizados; ANASO) e a Claudia Miranda (da EPHETA), pessoas pelas quais nutro enorme carinho por me colocarem em contato com a real demanda social e indicarem o  real alcance das pesquisas desenvolvidas no processo de reabilitação auditiva, uma vez que o comportamento verbal vocal e a leitura com compreensão se constituem em cúspides comportamentais do ponto de vista do desenvolvimento (cf. Conceição et al., 2022). A continuidade das pesquisas sobre comportamento simbólico nessa população é um terreno fértil de estudos e há possibilidade de múltiplas cooperações para além da fonoaudiologia e a análise do comportamento, mas entre analistas do comportamento interessados no conhecimento do comportamento simbólico de maneira geral.

Referências:

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